quinta-feira, 1 de março de 2012

MEMÓRIAS: ENTRE ACHADOS E PERDIDOS


Jairo Barbosa Moreira*

Permitam-me, caros leitores/caras leitoras, iniciar esse pequeno e simples texto retomando algumas memórias de Martin Buber, filósofo do Encontro, que  retrata muito bem o título do referido texto e a experiência  com Pe. Gervásio Queiroga.

A casa, onde moravam meus avós, tinha um grande átrio com um balcão de madeira em sua volta em cada andar. Vejo-me ainda, quando não havia ainda completado quatro anos, em pé junto aquele balcão, na companhia de uma menina alguns anos mais velha que eu que, a pedido de minha avó, tomava conta de mim. Nós dois estávamos apoiados na balaustrada. Não me lembro de ter falado de minha mãe com minha companheira. No entanto, ouço-a ainda, me falar: "Não, ela não voltará jamais". Lembro-me de ter permanecido em silêncio e também não tive duvida sobre a veracidade daquelas palavras. Elas calaram profundamente em mim (...) e aproximadamente dez anos mais tarde comecei a perceber que ela não dizia respeito somente a minha pessoa, mas a todo ser humano. Mais tarde a palavra "desencontro" que havia cunhado para mim, significou a falha de um encontro de dois seres. E, quando 20 anos mais tarde revi minha mãe que tinha vindo de longe para visitar a mim, minha mulher e meus filhos, não pude fixar seus olhos, sempre surpreendentemente belos, sem ouvir ressoar em meus ouvidos esta palavra "desencontro" como endereçado a mim. Creio que tudo o que, em seguida, eu aprendi a conhecer sobre o autêntico encontro, teve sua origem naquele instante, lá em cima àquele balcão (BUBER apud ZUBEM, 2003, p. 162).

O modo expressivo como Buber faz memória da casa de seus avós retrata de forma significativa o que pretendo dizer  da presença do Pe. Gervásio Queiroga, que nos dias 13-16 de fevereiro de 2012 assessorou o Encontro de Agentes pastorais da Prelazia de Cristalândia-TO, cujo tema era sobre o 50 anos do Vaticano II e os Ministérios na vida da Igreja. 
Pe. Queiroga é um senhor de 77 anos, idoso, mas não velho; com "uma bomba no peito", que imagino ser, não um marca passo, mas um "coração valente" e repleto de amor pela Igreja de Jesus Cristo",  que o faz um sacramental da mesma.  Queiroga, a quem conheci na flor de sua maturidade, me impulsiona a pensar que pessoas assim deveriam viver entre nós eternamente. Ele é um "memorialista", como afirma Bosi (2006).  Sua fala, do começo ao fim, foi à maneira das palavras de Buber memórias das "feições" do rosto do Vaticano II.  Memórias vivas de um passado reconstruído na companhia do Espírito Santo. Feições que com certeza nossos olhos não se esquecerão!
Permitam-me, mais uma vez, citar outro pensador: Maurice Halbwachs, um grande estudioso sobre memória. E desculpe-me dar tanta ênfase a esta questão. Deveras, é próprio do meu ser fazer memória. Faço-a como estudioso e como sacerdote, servo inútil, na celebração da Santa Missa, Memorial do Corpo e Sangue de Cristo. Memórias são como metáforas, vão e vem. Metáfora em grego é um tipo de bonde/trem, algo parecido. Memórias perambulam, vagueiam, viajam, rodopiam em nossas mentes! Inclusive a falta dela pode indicar algum transtorno, seja emocional ou mental.  Para Halbwachs (2006) a memória pode ser individual e coletiva. Individual quando o sujeito recorda do evento/acontecimento no qual estava presente; e coletiva quando o elemento da memória adveio de histórias contadas por outros.  Queiroga se enquadra nas duas faces da memória, ou vice-versa. Sua personalidade confunde qualquer um, pois o seu porte físico e, aquela bomba da qual já me referi, assombra qualquer olhar estranho, inclusive o meu.  Na esteira de Halbwachs, Pollak (1989) trata do esquecimento da memória e afirma que esquecer é um fato relacionado a uma memória indesejada, dolorida, sofrida. Eu diria: esquecer é um modo de se resguardar da dor. Certamente, Queiroga, a quem passo a chamar de amigo, teve suas razões para ter esquecido alguns outros acontecimentos que não foram pertinentes abordá-los nesse encontro.  E isso é próprio de quem está na flor da maturidade, da sabedoria: saber reservar-se! Quero chegar lá um dia!
O encontro com Queiroga fez com que todos e todas, que ali se faziam presente, se sentissem filhos, filhas do Vaticano II. E de fato o somos! Uns mais, outros menos segundo sua condição temporal, bíblica, eclesial, teológica, litúrgica, entre outras. O importante é que Queiroga, como instrumento do Espírito, reacendeu em nós o pavio da animação, do ardor pelo Reino. Suas palavras "suadas" soaram aos nossos ouvidos e corações como uma boa notícia! Não saberia dizer tudo quanto ele disse mesmo tendo "em mãos" os slides de sua exposição. Sei dizer que nem mesmo no seminário vi e ouvi algo tão forte sobre o Vaticano II. E de fato o provérbio popular é verdadeiro: "As palavras convencem, mas os testemunhos arrastam"! Queiroga é um testemunho vivo porque participou de todo o concílio como cooperador teológico de seu bispo.  Muitas vezes, fui convencido do valor do Concílio do Vaticano II, mas, nunca tinha ouvido um testemunho tão transparente, autêntico e coerente como o de Queiroga. Em poucos dias sua mensagem foi "bombástica", mas não destruidora! Em poucos dias, como diria sua mãe: "Foi muito bom! Muito bom!" Está com ele e ouvi-lo.
Por fim, eu diria: o encontro deve ter servido para muitas outras coisas, mas de maneira especial para "reformar o meu olhar; o meu ser; o meu ministério sacerdotal e aprofundar o meu querer amar a Igreja ainda mais: Igreja Santa e Pecadora". Os slides estão disponíveis nesse mesmo site. Buscar ler mais sobre o Vaticano II, em especial neste momento de cinqüentenário, com certeza, pode nos ajudar muito a compreender os documentos presentes da Igreja que, certamente como maestra, nos ensina a olhar o presente, com um olho no passado e outro no futuro. Boas Novas sejam dadas por todos os cantos e lugares de nossa Igreja Particular. A Dom Rodolfo, nosso bispo, pelo acolhimento desse homem tão generoso e repleto de Fé, sábio e vivencial, nossa gratidão. Ao Pe. Eduardo Alencar Lustosa, pela bela indicação do nome desse mais recente amigo: "muito bom! muito bom!" À coordenação pastoral pelo exímio auxilio a Queiroga, às religiosas, aos religiosos e padres só se tem a dizer: "lancem as redes", pois os peixes já estão ai!
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*Padre diocesano da Prelazia de Cristalândia-TO; Licenciado em Filosofia (UCG); Formado em Teologia pelo seminário de Mariana-MG; Mestre em Educação, pela UFG. Pároco em Nova Rosalândia-TO.

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